Ciranda dos Pagos - Poemas

         Ciranda dos Pagos
              Poemas

 Veterano

Vejo-te à luz de cada madrugada
quando o sol ainda se espreguiça
escondido no horizonte!

Olhar aceso,
sorriso franco,
alheio ao tempo,
vais ao encontro do zaino
à espera no potreiro!

Relembro teus pensamentos
quando trocamos ideias.

"Não importa chuva, o vento...
Não importa frio intenso...
Posso sair por aí!
Posso ser livre e feliz!"
Yeda Araujo Pereira


Cisma de tropeiro

Fogo de chão... brasa acesa,
um tropeiro a cismar.
Aqui tão longe dos pampas,
tem horas que a saudade é tanta
e a vontade de voltar.
Madrugada, campereava
no lombo do seu matungo,
na chuva ou na geada,
não era dono de nada,
mas tinha um pedaço de chão.
Era uma vida bem simples
peleando de sol a sol.
Não tinha luxo nem renda,
nasceu naquela fazenda,
seu pai era o peão.
Cresceu, aprendeu a lida,
seguiu os passos do pai.
Mas o cheiro do progresso
seduzindo aquele moço
traçou rumos desiguais.
Na cidade o passo é outro,
desacorçoado então
Vê sua vida se findar.
É só um tropeiro a cismar...
- Por que deixei meu rincão?
Bel Plá

Amanhecer no campo

É cedinho. O sol desponta
com a vista meio tonta
o piazito se levanta.
Lava o rosto na bacia
e a carícia d'água fria
dá-lhe bem mais energia.
Corre então para o potreiro
onde o pingo mui matreiro
o piazito vai buscar.
Monta o pingo e sai cantando...

Vai o piá cantador
cantando canção de amor.

Vai feliz, vai saltitando
do piazito o pensamento.
Direito vai à coxilha
sempre na mesma trilha,
com o cabelo exposto ao vento,
passa o piá na figueira,
vê a casa da forneira
montada numa forquilha.
E lá se vai o piazito.
Piazito cantador
cantando canção de amor.

Levanta voo espantada
da beirinha da estrada
uma perdiz toda arisca.
Lá vai indo o piazito
buscar o Mouro e o Faísca,
junta que puxa a carreta.
Vai o piá cantador
cantando canção de amor.

Volta o piazito com os dois,
com o Faísca e o Mouro,
são tão mansinhos os bois
que vão até o bebedouro.

Já estão perto da barranca
que é uma mancha muito branca
no meio daquele campo.
E, seguindo no caminho,
caminhando de mansinho,
vem o piá cantador
cantando canção de amor.

Volta o piazito com os dois
que puxam carro de bois.
E o piá vai tangendo
e o carro vai gemendo
uma canção pelo caminho.
E, lá se vai o piazinho...

É o piá cantador
cantando canções de amor!
Marísia Vieira


Aldravias dos Pampas

ALDRAVIAS DOS PAMPAS

Pampas
Campinas
Verdejantes
Gaudério
Apaixonado
Canta

Rancho
Janelas
Brancas
Recém
Casados
Amando

Guaipeca
Latindo
Pingo
Encilhado
Inquieto
Espera

Prenda
Abraça
Gaudério
Amado
Ao
Entardecer
      Helena Heloisa Manjourany Silva
 
Primeira Prenda do Céu

Poesia inclusa na Ciranda “Virgem Maria”
Promovida por Ferdinando Fernandes – Seara da Cultura
Os textos dessa Ciranda estão no Santuário de Fátima/Portugal

Primeira Prenda do Céu!
Tanto me fazes lembrar
Um gaúcho que eu amei...

Um gaudério apaixonado
Que já deve ter chegado por aí,
Vestindo bota e bombacha...
A guaiaca na cintura,
Um molho grande de chaves
E uma faca preferida
Enfiada na bainha,
Amolada do seu jeito,
Sempre pronta
Para toda e qualquer lida.

Lenço atado no pescoço,
Um chapéu com barbicacho,
Rugas e cabelos brancos
Que a vida lhe ofereceu,
Enquanto o tempo passava.

Forte e bravo de verdade...
Está por certo ao teu lado!

Sei do quanto te adorava.
Sei da confiança que havia
Naquele seu coração!

Lembro do gesto discreto,
Quando à hora de dormir,
Silencioso,
Olhos cerrados,
As mãos postas sobre o peito
Como se fosse partir...

Por vezes, me surpreendia
E até me deixava arisca...

Mas não era despedida! Não!

Estava, isto, sim, campereando
Lá pras bandas do infinito
Para ir ao teu encontro
Em busca de proteção!

Orava à sua maneira,
No seu jeito de chiru...
Recluso no seu carinho,
Na sua devoção...

Quanta saudade ficou
No lugar deste Gaudério!

Cuida dele, por favor,
Nesse novo pastoreio...
Querida Nossa Senhora!
Primeira Prenda do Céu!
Yeda Araujo Pereira

Alma gaúcha

Meu coração é gaúcho,
nasci nos pampas,
nos braços de uma parteira,
filha do campo,
neta dos ventos,
prenda faceira.
Vento Negro, Minuano,
nada me abafa, nem geada,
nem o inverno renitente,
me assusta, Paciente,
na viração faço pousada.

Meu coração é gaúcho,
mora num pasto verdejante,
cresce nos morros altaneiros,
passeia nas planícies rasteiras,
dança nos córregos mansos,
ressoa num vento uivante.
Mate amargo, chimarrão,
é bebida de índio guapo,
nas rodas de galpão,
muito causo e gargalhada,
da infância, a peonada
relembra a garra dos farrapos.

Meu coração é gaúcho
e se agita num fandango,
curte a bailanta a noite inteira,
rock, vaneira ou tango.
Sou gaúcha com muito orgulho,
e mais ainda de ser brasileira!!!
Bel Plá

O Gaúcho

Na ponta da lança se escreve a história
Fervendo na luta e glória
As vidas se perdem e brotam da guerra
O orgulho estufa o peito de amor pela terra.
Na vaidade do povo que assim desfila
Gaúcho, hino e bandeira se perfila
Gerando virtude que brota do peito
Pela gaúcha que encanta com seu canto
Assim o gaúcho desenha o laçador
Marcando assim este presente
Brotando da luta um grande amor
Que do Rio Grande do sul vai revelando a gente!
Inalda Peters da Silva

DEVOÇÃO

Do Rio Grande, nas planuras
De longe, a intervalos
Surgem lindas esculturas
De amigos nossos - os cavalos.

O cavalo e o gaúcho,
Figuras inseparáveis,
Nos campos são o debuxo
Desde tempos memoráveis.

Existe uma trilogia
Que o gaúcho guarda bem,
Das jornadas co'alegria
No campo e cidade também.

É o amargo chimarrão,
O cavalo companheiro,
O inseparável cão
Nas lidas o dia inteiro.

Quando a noite aparece,
Dirige-se à choupana
E, juntos, na mesma prece
Com a chinoca ele proclama,

Agradecendo aos céus
Por todos os seus labores,
Rogando ao bom Deus
Muita paz com seus amores.
Marísia Vieira


DESPEDIDA

Vou me despedir, minha hora chegou,
se tenho que ir embora, então eu vou.
Deixo minhas paredes, minha vida,
o pampa amado, que me deu guarida.

Foram tempos belos, não tenho queixa,
não falo do amor, a emoção não deixa.
Despeço-me das ruas, casas, praças,
da nuvem no cerro, feito fumaça.

Levo saudade, embora sem temor
da cidadezinha cheia de encanto,
onde a amizade me fez ver o amor.

E mesmo tão longe, esses sonhos meus
vão me acompanhar, sempre recordando,
da cidade linda, a quem digo adeus.
Bel Plá


Milonga

É noite na imensidão do pago...

Acordes de uma gaita chorona
rompem o silêncio no galpão crioulo
atiçando brios de guapos dançadores!

O taco da bota vai marcando
o compasso forte da milonga...

E o vestido da prenda,
amor de fita e renda,
rebolea no seu corpo
cinchado nos braços do seu homem!

Olhos nos olhos...
Como se mais ninguém houvesse no salão.

Toque de mãos...
Linguagem silenciosa dos amantes.

Cumplicidade plena
para fazer da madrugada
um talismã da sorte.

Nada mais importa... Não!

São momentos inéditos, marcantes,
gravados no tempo, na memória.

Até quem sabe irão com a gente afora
pelos caminhos da eternidade!
     Yeda Araujo Pereira

 MESMO À NOITINHA

Certo dia
Quando a noite já descia
Sobre o casario da cidade,
Sentado no meu carro escutava
Gauchescas cantigas.

E no embalo da canção,
Deixei-me transportar
Até um imaginário rincão,
Onde velho gaúcho e sua prenda
Sorviam seu amargo chimarrão,
Enquanto escutavam no rádio a pilhas
Aquelas mesmas cantigas,
À roda do fogão.

A lua cheia iluminava
Toda aquela erma coxilha,
E a natureza reconciliada
Já toda cochilava;
Só algum quero-quero de guarda
Como se a noite fora pertença sua,
De vez em quando gritava.
E o silêncio era tão tanto
Que dava até para escutar as estrelas
A cochichar com a lua.
     Eduardo de Almeida Farias

Minhas saudades

Lá por entre as coxilhas
moram as minhas saudades.
Frágeis como as nuvens
que passam,
densas como o arvoredo

que balança com o vento,
imponente.
Livres para voar,
lançam-se nas montanhas
e alcançam o infinito.
Minhas saudades não choram...
(...)
silenciosas,
oram,
repousam,
no seu lugar de paz.
     Bel Plá

VELHO

Tua voz é rouca e poderosa
arrastas em teu passar
o que existe em volta
há muito tempo estás presente
nas coxilhas
a romper com teu canto
as quebradas dos Pampas!

Te chamam velho, e ao te sentir
no horizonte, se amedrontam
mas eu recolho teus penares
e faço meus teus inúmeros
quebrantos!

E muitas vezes clamo contigo
meu velho amigo Minuano!
    Vilma Vianna


DO JOGO E DOS CAMBICHOS

Cambichos de suerte
tranqueiam lerdos
e sorros malevas esporeiam
o coração solito
de muitas canchas.

Culo e suerte!
Na tava da vida
a coima é maior
pra quem aposta por fora!

Gineteio
e me solto campo fora
no potreiro do amor.
Freio nos dentes,
amasso flechilhas
e margaridas-do-campo.

Aporreados potranqueiam
os pelos dos cambitos
andarengos.

O desafio é a tirada das coscas.
E ai de quem não se gruda
nas quilinas do matungo!

Culo e suerte!
Na tava da vida a coima é maior
pra quem joga forte!
              Joaquim Moncks 

Roda de chimarrão

Quando a tarde vai caindo,
E chega o fim do dia,
a passarada vem, em bandos,
para os galhos da grande árvore,
bem na hora da Ave-Maria,
a alma da gente vai se apequenando...

A barra do sol avermelha no horizonte,
e tudo em volta fica sossegado...
tento fugir, mas não tem jeito.
bate aquela saudade de casa,
saudade do meu pago amado,
que carrego dentro do peito.

Tão logo a noite pinta o céu
de lápis preto, e as estrelas, com seu lume
bordam poemas no infinito,
junto os gravetos, faço o fogo,
encho a cambona, meu costume,
e não me sinto mais solito.

Enquanto o fogo vai amornando,
dou um jeito no galpão,
sem muito aprofundamento.
Cevo o mate, incho a erva,
dedilho o violão,
e espero mais um momento.

Finalmente a turma chega,
das suas lides se esquece.
No galopar da cidade,
cada um tem seus tormentos.
O coração da gente se aquece
na grande roda da amizade.
      Bel Plá

CARRETAS

Carregas estafas e andanças
e em mim a outrora criança:
ressoam cirandas e lanças.
E o gemido de liberdade
é um aboio nos confins da terra.

Carretas, rondas do tempo,
maniáticas de sóis e lunaréus.

Nave do nauta telúrico,
rancho sobre duas luas,
gêmea de pampas, estrelas e léus,
roçando várzeas, lançantes,
traçando cíclica gesta:
esperanças, trabalho e terra.

Nas lonjuras dos caminhos,
sofrendo encruzilhadas e escarcéus,
arremataste ao gaúcho
verdades abertas no céu.
     Joaquim Moncks 

RIO GRANDE DO SUL

Como potro não domado
Cavalguei coxilhas, teu pago;
Minuano por companheiro
Persegui sonhos...
E como o bom semeador
Lancei sementes com amor
Umas deram fruto,
Outras viraram flor.

Como o Jacu desconfiado
Na solidão da querência;
Ou libertário Quero-Quero
Na defesa de seu pago;
Mas potro já domado...
Ei-lo agora bonachão
A oferecer sorrisos e chimarrão:
-Velho amigo... Eu te quero!

E entre causos de galpão
Na rodada de chimarrão,
Lá vai abrindo o coração
Ao estranja recém-chegado;
Fala de seus amores
De chinocas, belezuras,
De emas e sacaracuras
Que habitam este pago.

Gosto de ti Rio Grande do Sul
De gordo gado e trigo loiro
Imenso celeiro,
Opíparo de fartura;
Da tua serra e planura
Do teu jeito sem frescura
De dizeres o que sentes
Na boca de tuas gentes.
    Eduardo de Almeida Farias


Quero-quero

O vento frio, gelado, cortava rápido
o Pampa. Então,
batia à frouxa janela pesadita a solidão
e o sol nos seus descaminhos
não brilhava mais pra mim.
Até que, simples assim,
um bando de quero-quero
dispersos em frente à praça,
saltita cheio de graça
com seus gritos, correrias,
devolvendo ao coração
dormideiras alegrias.
Esqueço tristeza e luto
só de olhar pro seu penacho
tão lindo que até acho
( vejam só que presunção
desse imodesto peão):
que o bando agora de três
tornaram-me seu freguês,
e me chamam pra brincar!
    Vilma Vianna

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