terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Crônica- A Tribo da Sensibilidade


A Tribo da Sensibilidade

       Tarde de domingo, calor, nada para fazer... Escureci a sala e procurei algo na TV que me interessasse. Surpresa! Na TVE uma apresentação de Saramago, Belo Horizonte, 1999- Estava no Brasil para lançar o livro "Cadernos de Lanzarote". São diários que escreveu depois que se retirou para a ilha de Lanzarote na Espanha, para evitar a grande polêmica da Igreja Católica causada por seu livro "O Evangelho segundo Jesus Cristo", do qual nunca se retratou.
       Com o brilho de sua inteligência, sua simpatia e humor e a imensa experiência de vida, encantou a mim e ao numeroso auditório. Manteve presa minha atenção como se estivesse falando só comigo. Fazendo graça com a palavra "lançamento" disse que poderia ser uma nova modalidade esportiva: lançamento de dardos, lançamento de disco, lançamento de livros- rindo de si mesmo. Disse também que o escritor não precisaria falar, tudo está escrito em sua obra, mas quando fica conhecido perguntam sobre qualquer assunto. Querem sua opinião até sobre uma possível viagem a Marte. Com vergonha de dizer "não sei", inventa uma resposta plausível e a repete sempre que fazem a mesma perguta (99 vezes) o que é um sacrifício, porque se tenta melhorar- na centésima vez- um repórter vai escrever que não sabe o que diz. "Se é Prêmio Nobel, então, é uma desgraça!" O auditório riu muito.
       O que me tocou, como verdade em meio a tantas histórias interessantes, é que ele acredita haver no mundo uma "Tribo da Sensibilidade" formada por pessoas que moram distantes, que talvez nunca se encontrem ou tenham sérios atritos entre si. Desta tribo fazem parte aqueles que não veem só o aspecto material da vida: o lucro, o consumismo, o poder... São aqueles os que entram em transe ao ouvir a 9º Sinfonia de Beethoven; sentem prazer ao ler um bom livro; se extasiam frente à pintura, à arqutetura, à escultura... Não só os que criam arte, mas os que têm a sensibilidade de se deixar tocar por ela. Essa Tribo dispersa ou em pequenos grupos é a esperança de que a barbárie não retornará à Terra e de que a humanidade será resguardada em sua essência.
       Fico feliz porque Saramago, falecido em 2010, me trouxe esta notícia: faço parte da "Tribo da Sensibilidade", assim como meus amigos do Centro Literário (CLIPE) e do Grupo Literário da Bibliotheca (GLIBI) e tantos outros...
       Lia Bachettini
       Crônica

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